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A meditação pode influenciar reflexos automáticos? Um estudo de caso impressionante

Atualizado: 15 de ago.


Fonte: arquivo pessoal
Fonte: arquivo pessoal

Carolina B. Menezes

Relato técnico-científico


Você já levou um susto com um barulho repentino e sentiu seu corpo reagir antes mesmo de perceber o que aconteceu? Esse tipo de resposta rápida, conhecida como reflexo de sobressalto (startle response), é considerado uma reação automática, primitiva e difícil de controlar. Mas será que a prática da meditação pode influenciar até mesmo essas respostas instintivas?


Um estudo publicado na revista Emotion, conduzido por pesquisadores da Universidade da Califórnia em Berkeley e San Francisco, em colaboração com o monge budista Matthieu Ricard, sugere que sim. Os autores demonstraram que determinados estados meditativos podem reduzir significativamente a intensidade da resposta reflexa do startle, uma descoberta que tem implicações importantes para o entendimento da regulação emocional.


O estudo utilizou um delineamento experimental de caso único, com Matthieu Ricard, um praticante experiente com mais de 40 anos de meditação, como único participante. Em diferentes sessões, ele foi exposto a sons abruptos e intensos (115 dB, como um estouro) enquanto estava em quatro estados distintos:


  1. Meditação de presença aberta (open presence): atenção ampla, não focada em um objeto específico.

  2. Meditação de atenção focada (focused attention): concentração contínua em um estímulo, como a contagem regressiva numérica.

  3. Distração cognitiva: pensamento guiado sobre eventos passados (sem prática meditativa).

  4. Situação live: sem instruções e fora da meditação.


Durante cada condição, foram medidas variáveis fisiológicas e comportamentais: frequência cardíaca (intervalo entre batimentos), amplitude do pulso, condutância da pele (suor), atividade somática (movimentos corporais) e expressões faciais (codificadas com FACS – Facial Action Coding System).


O que os resultados mostraram?


  • Nas duas condições meditativas, a resposta fisiológica ao startle (resposta de susto) foi significativamente menor do que na condição de distração.

  • A meditação de presença aberta produziu as menores reações entre todas as condições, inclusive menores que a meditação focada.

  • A intensidade das expressões faciais também foi mais reduzida durante a meditação do que nas outras condições, indicando menos envolvimento emocional secundário (como medo ou constrangimento).

  • Quando comparado com um grupo controle (12 homens da mesma faixa etária), Ricard apresentou respostas fisiológicas típicas na situação livre, o que sugere que o efeito de redução do reflexo foi realmente decorrente do estado meditativo e não de um traço pessoal permanente.


Segundo os autores, os dados indicam que a meditação pode funcionar como uma forma de regulação emocional, influenciando até mesmo reações automáticas e instintivas. Isso ocorre NÃO por uma tentativa consciente de suprimir a resposta, mas por uma mudança qualitativa no estado mental do praticante: estar mais receptivo para todas as experiências provavelmente reduza a resistência às mesmas e o seu impacto.


Além disso, os pesquisadores destacam que a meditação de presença aberta pode ser ainda mais eficaz do que a atenção focada para modular respostas emocionais intensas. Enquanto a atenção focada requer certo esforço de controle, a presença aberta permite que o estímulo (o susto) seja integrado à experiência presente com menos reatividade.


Embora se trate de um estudo de caso único, com limitações quanto à generalização dos resultados, esta pesquisa oferece uma ilustração do potencial da meditação para modular respostas fisiológicas automáticas/reflexas. Ela sugere que, com treinamento adequado, é possível cultivar estados mentais que amortecem as reações emocionais intensas, inclusive aquelas que, até pouco tempo atrás, pareciam estar além do nosso controle consciente.


Referências:

Levenson, R. W., Ekman, P., & Ricard, M. (2012). Meditation and the startle response: A case study. Emotion. Advance online publication. https://doi.org/10.1037/a0027472

 
 
 

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