O termo cognição possui origem na palavra latina “cognoscere” ou saber. A cognição consiste na aquisição, armazenamento, transformação e aplicação da informação ou conhecimento. Ela compreende variados processos, como a sensação, percepção, atenção, memória, tomada de decisão, e emoção. Esses são comumente denominados processos cognitivos básicos ou funções de nível superior, podem ser conscientes ou inconscientes, derivam tanto das interações de processos inatos quanto adquiridos, e operam de forma interconectada e dinâmica, permitindo que o indivíduo interaja com o ambiente, aprenda e se adapte.
Mais exemplos de mecanismos cognitivos humanos são: formação de conceitos, aprendizagem, mapa mental, viagem mental no tempo, teoria da mente ou leitura mental, cognição causal, linguagem, matemática, resolução de problemas, julgamento, moralidade, aprendizagem social seletiva, metacognição, imitação, entre outros.
Alguns pesquisadores classificam a cognição em duas categorias: quente ou fria. A cognição quente refere-se a processos mentais nos quais a emoção desempenha uma importante função, como a memória e aprendizagem. Por outro lado, a cognição fria refere-se a processos mentais que não envolvem sentimentos ou emoções diretamente, como o raciocínio lógico-matemático.
Alguns autores defendem que a cognição não se restringe às capacidades humanas e se estende ao domínio de toda a natureza. Neste sentido, refere-se à capacidade dos organismos vivos, incluindo plantas e animais, de processar informações e responder a estímulos ambientais de maneira adaptativa. A cognição na natureza não se limita apenas aos animais com sistemas nervosos complexos, mas também se estende a organismos como as plantas e procariontes, que demonstram importantes habilidades de resposta ao seu ambiente. Isso pode envolver desde a percepção de estímulos sensoriais até a tomada de decisões complexas para a sobrevivência e o sucesso reprodutivo.
História do estudo da cognição
O interesse na compreensão da questão sobre como os humanos pensam possui origens filosóficas e remonta ao tempo dos antigos filósofos gregos.
A concepção de Platão sobre a mente defendia que as pessoas compreendem o mundo reconhecendo nele princípios ou padrões básicos que estão intrínsecos dentro de cada um e, posteriormente, usando o pensamento racional para formular o conhecimento. Essa ideia também foi adotada por outros pensadores ao longo da história, como o filósofo René Descartes, Baruch Spinoza e o linguista Noam Chomsky. Essa concepção é denominada como racionalismo.
Para Aristóteles, as pessoas adquirem conhecimento por meio de observações do mundo ao seu redor e da experiência do mundo dos sentidos. Filósofos como John Locke, David Hume, Francis Bacon e o psicólogo B.F. Skinner, defenderam essa posição, também denominada de empirismo.
Autores como Piaget e Vygotsky revolucionaram o panorama científico com suas teorias sobre o desenvolvimento e a aprendizagem cognitiva. Segundo esses autores, o conhecimento não possui origem apenas no empirismo, nem no racionalismo; portanto, não está no sujeito, ou organismo, tampouco no objeto, ou meio, mas seria decorrente das contínuas interações entre ambos.
A Teoria da Aprendizagem Social, desenvolvida por Albert Bandura, considera como os fatores ambientais e cognitivos interagem para influenciar a aprendizagem e o comportamento humano. Ele destaca a importância do meio para a imitação, modelagem e reforço no processo de aprendizagem; bem como defende que os indivíduos são ativos no processamento das informações e compreensão da relação entre seu comportamento e as consequências destes.
Psicologia Cognitiva
A revolução cognitiva começou em meados da década de 1950, quando começam a ser questionados os modelos estritamente comportamentais e surge a necessidade dos modelos comportamentais redefinirem seus limites e incorporarem o fenômeno cognitivo. Pesquisadores de vários campos começaram a desenvolver teorias sobre a mente baseadas em representações complexas e procedimentos computacionais. Esse momento foi marcado pela publicação do livro Cognitive Psychology, de Ulric Neisser (1967). De acordo com o autor, a definição de cognição se apresenta como uma série de estágios, que se correlacionam, ou: "processos pelos quais a entrada sensorial (input) é transformada, reduzida, elaborada, armazenada, recuperada e usada (output)".
Input > Processos Mentais > Output
O movimento cognitivista infere que grande parte do comportamento humano pode ser compreendido a partir de como as pessoas pensam, portanto, haveria uma distinção entre os domínios físico e mental do ser humano. Neste momento, encontramos dois pressupostos básicos: a cognição humana poderia, em princípio, ser compreendida pelo método científico; e, os processos mentais internos poderiam ser descritos em termos de regras ou algoritmos em modelos de processamento de informações.
A ciência cognitiva contemporânea se apresenta como um campo amplo e multidisciplinar que se utiliza de ideias e métodos da psicologia cognitiva, da psicobiologia, da inteligência artificial, da filosofia, da linguística e da antropologia. Os objetivos da pesquisa em Psicologia Cognitiva compreendem a coleta de dados, análise estatística, desenvolvimento de teorias, formulação e testagem de hipóteses, e aplicação em contextos diversos. Procura-se, mais do que as descrições dos fenômenos cognitivos, compreender o como e o porquê do pensamento, procurando inferências com relação às observações.
Referências
Gazzaniga, Michael S.; Heartherton, Todd F. (2017). Ciência Psicológica: mente, cérebro e comportamento. Porto Alegre: Artmed.
Matlin, M. W. (2004). Psicologia cognitiva. Rio de Janeiro: LTC. ISBN 852161392X. Número de chamada: 159.95 M433p 5.ed.
Sternberg, R. J. (2008). Psicologia cognitiva. 4. ed. Porto Alegre: Artes Médicas. ISBN 9788536311159. Número de chamada:159.95 S839p 4.ed.
Barbara Anne Dosher and Zhong-Lin Lu (2007). Cognitive Psychology. Scholarpedia, 2(8):2769. doi:10.4249/scholarpedia.2769
Miller, G. A. (2003). The Cognitive Revolution: A historical perspective. Trends in Cognitive Sciences, 7(3), 141-144.
Psicologia Aplicada
A máquina do cérebro humano e o cérebro humano na máquina
Ao compreender como a mente humana processa informações, os conhecimentos provenientes da psicologia cognitiva (e ciências cognitivas) têm ganhado destaque não só na área da saúde e educação, mas também em campos como a computação e a inteligência artificial.
O cérebro e os computadores são ambos sistemas de processamento de informação, mas possuem diferenças básicas na sua organização, e nos objetivos que orientam essa organização: o cérebro é mais eficiente em termos de energia, priorizando o raciocínio qualitativo, julgamentos emocionais e a interação social. O processamento das funções cognitivas está integrado em sistemas interdependentes, tendo como unidade básica os neurônios e suas conexões (sinapses). Assim como o cérebro, os sistemas computacionais dependem de um input (entrada) para processar informações e gerar um output (saída). Essa semelhança tem inspirado pesquisas que buscam criar computadores mais eficientes, simulando os processos neurais humanos. Porém, no cérebro humano, as funções cognitivas possuem como objetivo principal a produção de respostas adaptativas para possibilitar, em última instância, a vida social, a reprodução e a sobrevivência.
A pesquisa em computação inspirada no cérebro humano busca desenvolver sistemas tecnológicos mais eficientes. Além disso, existem projetos que visam criar interfaces entre o cérebro e a máquina, permitindo uma comunicação mais direta e interativa entre ambos, tal como no exemplo de pessoas que comandam membros mecânicos com o pensamento. Assim, pesquisadores utilizam os parâmetros do funcionamento cerebral para conceber circuitos e arquiteturas computacionais para melhorar o desempenho e a capacidade desses sistemas, bem como melhorar a qualidade de vida humana.
A inteligência artificial funciona a partir da combinação de algoritmos, grandes volumes de dados e elevada capacidade computacional. Seu funcionamento envolve etapas como coleta de dados, processamento, análise e tomada de decisão automatizada, simulando processos cognitivos humanos. No centro dessas tecnologias estão as redes neurais artificiais, estruturas de inspiração biológica projetadas para imitar o funcionamento das redes neurais do cérebro. As áreas de Machine Learning (aprendizado de máquina) e Deep Learning (aprendizado profundo) possibilitam que sistemas computacionais aprendam com dados e tomem decisões autônomas. A Machine Learning envolve algoritmos que analisam dados para encontrar padrões e fazer previsões, enquanto Deep Learning é um subconjunto da Machine Learning que utiliza redes neurais artificiais para aprender com grandes quantidades de dados, especialmente dados não estruturados. O Deep Learning é considerado uma evolução do Machine Learning, pois emprega algoritmos organizados em camadas que formam redes neurais artificiais altamente adaptáveis. O design dessas redes é inspirado na rede biológica de neurônios do cérebro humano, resultando em um sistema de aprendizado significativamente mais capacitado do que os modelos convencionais de aprendizado de máquina.
Machine learning: Inteligência artificial que se utiliza de algoritmos capazes de analisar dados, aprender com os dados e, em seguida, aplicar o que aprenderam. Um exemplo de algoritmo de machine learning são os serviços de streaming de música. Para o serviço decidir quais novas músicas ou artistas recomendar a um ouvinte, os algoritmos de machine learning associam as preferências desse ouvinte a outros ouvintes com gostos musicais semelhantes. Essa técnica, é usada em diversos serviços que oferecem recomendações automatizadas.
Deep learning: É um subproduto da machine learning que estrutura algoritmos em camadas para criar uma rede de dados, como uma rede neural artificial, capaz de aprender e tomar decisões de forma autônoma. Como exemplo, encontramos programas de computador que aprendem a jogar jogos de tabuleiro, ao jogar com participantes humanos, eles armazenam e processam as informações, e em dado momento, tomam decisões sem ser instruídos sobre quando deveriam fazer uma jogada específica. Outros exemplos são aplicativos de reconhecimento de imagem que podem identificar tipos de flores ou espécies de pássaros com base em uma foto. Essa classificação de imagens é viabilizada pelo denominado aprendizado profundo.
A articulação entre a psicologia cognitiva, a ciência da computação e a inteligência artificial tem possibilitado avanços significativos no desenvolvimento de sistemas cada vez mais inteligentes e capazes de simular aspectos complexos do pensamento humano. A compreensão de como o cérebro processa informações tem sido fundamental para o aprimoramento de modelos computacionais e para a criação de tecnologias com potencial de impacto positivo em diversas áreas, como na saúde. No entanto, ao buscar reproduzir a cognição humana, surgem desafios éticos e epistemológicos importantes. É necessário refletir sobre os limites dessa simulação e os riscos de reduzir a complexidade da mente humana a padrões computacionais, sem considerar os aspectos subjetivos, afetivos e sociais que constituem a experiência humana.
Em suma, sem perder de vista as implicações éticas e epistemológicas citadas, este texto busca apresentar ao leitor uma perspectiva de como o conhecimento da psicologia cognitiva tem servido de base para aplicações práticas em outros domínios da vida. O objetivo é destacar como o conhecimento básico influencia e norteia o conhecimento aplicado.
Materiais Complementares
Livros

A vida secreta das árvores, de Peter Wohlleben
Em A vida secreta das árvores, o engenheiro florestal alemão Peter Wohlleben examina os hábitos e comportamentos das plantas. Nos últimos anos a ciência tem demonstrado que as árvores e o homem têm muito em comum. Assim como os humanos, elas se comunicam, mantêm relacionamentos, formam famílias, cuidam dos doentes e dos descendentes, têm memória, defendem-se de agressores e competem ferozmente com outras espécies – às vezes, até com outras árvores da mesma espécie. Algumas são naturalmente solitárias, enquanto outras só conseguem viver plenamente se fizerem parte de uma comunidade. E, assim como nós, cada uma se adapta melhor a determinado ambiente. Este livro é um convite a repensarmos nossa relação com as plantas, e por consequência, com toda a natureza.
Artigos
A psicologia cognitiva estuda como as pessoas adquirem e aplicam o conhecimento ou informação. Este artigo define o campo da psicologia cognitiva, explana sobre o seu histórico, elucida abordagens e aplicações.
Adaptive Capacity: An Evolutionary Neuroscience Model Linking Exercise, Cognition, and Brain Health
O campo da neurociência cognitiva foi transformado pela descoberta de que o exercício físico induz a neurogênese no cérebro adulto, com o potencial de melhorar a saúde cerebral e evitar os efeitos de doenças neurodegenerativas. Com base em estudos que demonstram um benefício combinado do exercício físico e do desafio cognitivo para aumentar a neuroplasticidade, o artigo aborda duas questões fundamentais: quais são os mecanismos imediatos e finais subjacentes à atrofia cerebral relacionada à idade e como as mudanças no estilo de vida influenciam a trajetória do envelhecimento saudável e patológico?
The epidemiology of cognitive development
A cognição abrange uma vasta gama de habilidades e características, como linguagem, habilidades motoras, raciocínio, memória de trabalho ou atenção, mas também habilidades sociais, emocionais e comportamentais. Esse artigo busca um panorama da multiplicidade de fatores que influenciam essas diversas áreas.
Sites & Reportagens
Documentários & Filmes

Consciência³
A série investiga o fenômeno da consciência. A investigação terá as seguintes abordagens: 1) neurológica: a consciência enquanto fenômeno bioquímico funcional do cérebro humano; 2) psicológica: a consciência enquanto fenômeno psíquico-existencial; 3) filosófica: a ciência da consciência. Em cada episódio, três renomados estudiosos tratarão de temas específicos ligados à consciência. O episódio 03 desenvolve o conceito de cognição na rede da vida.
The consciousness illusion, in Aeon Magazine
Phenomenal consciousness is a fiction written by our brains to help us track the impact that the world makes on us
The real problem, in Aeon Magazine
It looks like scientists and philosophers might have made consciousness far more mysterious than it needs to be

Professor Polvo
Em uma floresta subaquática na África do Sul, um cineasta desenvolve uma amizade improvável com um polvo e descobre mais sobre os mistérios do mundo submarino. O filme mostra a relação íntima entre ambos por quase um ano, e os impactos que essa vivência causou no autor.

O dilema das redes
Especialistas em tecnologia e profissionais da área fazem um alerta: as redes sociais podem ter um impacto devastador sobre a democracia e a humanidade, controlando a maneira como pensamos, agimos e vivemos.

Cosmos: Possible Worlds
No episódio 05 da série, The cosmic Connectome, embarcamos em uma viagem de descoberta pela evolução da consciência com algumas paradas na Grécia antiga, uma visita à maior forma de vida da Terra, para o sonho emocionante de um homem que abriu o caminho para a nossa compreensão da arquitetura do pensamento.
Vídeos
Roda Viva com Miguel Nicolelis
O programa Roda Viva entrevista o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, considerado como um dos principais nomes da neurociência no mundo. Entre muitas questões, defende que a inteligência artificial não é nem inteligente, nem artificial.
Is the brain a computer?
A ciência cognitiva considera o cérebro como um tipo de computador, como a educação pode redesenhar estes computadores cerebrais? O cientista da cognição, filósofo e especialista no estudo da Consciência, Daniel Dennett explica.
The 3 cognitive scripts that rule over your life
Como lidar com a imensidão de estímulos e informações que recebemos diariamente do mundo? A neurocientista Anne-Laure Le Cunff tenta nos ajudar a responder essa pergunta.
Como explicar a consciência?
Nossa consciência é um aspecto fundamental da nossa existência, diz o filósofo David Chalmers: "Não há nada que conheçamos tão profundamente, e ao mesmo tempo, é o fenômeno mais misterioso do universo".
What is Consciousness?
O que é a consciência? A consciência é a experiencia subjetiva interna que melhor conhecemos e menos sabemos explicar. Apresentando entrevistas com Simon Blackburn, Susan Greenfield, Christof Koch, Bruce Hood e Roy Baumeister sobre esse fenômeno inerente a condição humana.
The Hard Problem of Consciousness
A consciência é tudo o que sabemos, tudo o que experienciamos. O mistério no cerne da consciência reside em por que nosso universo, apesar de estar repleto de matéria não consciente, é configurado de uma maneira onde está tendo uma experiência sensível em seu interior. As neurociências modernas sugerem que nossas intuições sobre a consciência estão incorretas. E assim, é possível que tenhamos estado pensando sobre a consciência de maneira completamente errada.
Is consciousness an illusion? 5 experts explain
O episódio apresenta as perspectivas de cinco cientistas, filósofos e líderes espirituais diferentes para abordar uma das questões mais urgentes da humanidade: o que é consciência? Afinal, na era da inteligência artificial, a questão da consciência é mais prevalente do que nunca
O que cria a consciência?
Os pesquisadores David Chalmers e Anil Seth se unem a Brian Greene para explorar até onde a ciência e a filosofia foram para explicar o maior de todos os mistérios, a consciência, e se sistemas de inteligência artificial poderão um dia possuí-la.
A Neurociência da Consciência
Professor de Neurociência Cognitiva e Computacional, Anil Seth investiga como a neurociência da consciência e nossa biologia dão origem à experiência singular de sermos nós mesmos. Diferenciando o nível de consciência, o conteúdo da consciência e o eu-consciente, ele descreve como novos experimentos estão revelando os mecanismos neurais subjacentes tanto na vida normal como em condições alterações neurológicas e psiquiátricas.
The secret language of trees
Aprenda como as árvores conseguem se comunicar entre si por meio de um vasto sistema radicular e fungos simbióticos, chamados micorrizas. As árvores se comunicam com seus vizinhos, compartilham alimentos, suprimentos e a sabedoria adquirida ao longo da vida, tudo isso enquanto estão enraizadas no lugar. Como elas fazem isso?

